Descrição
Não dava para precisar o que estava mais quente, se era minha cabeça que fervia de raiva e quase cozinhava o sangue que jorrava do meu supercílio ou as minhas pernas presas nas ferragens, que ardiam fedendo a gasolina. O sangue, as ferragens, a gasolina e os cacos de vidro eram culpa do meu carro, um fusquinha branco que o Ricardo tinha me vendido quando eu ainda estava na faculdade e que, assim como o antigo dono, sempre falhava quando você mais precisava dele. Todo mundo tem um amigo como o Ricardo. Daqueles que já te encheram a paciência, mas que tu faz questão de que esteja sempre por perto. O negócio é que, na época da faculdade, o pior que poderia acontecer era a gente tirar um zero e querer matar o moleque. Já o fusquinha, este levava mais jeito pra me matar mesmo.
Pense num carro com vocação para ser ferragem. Atropelava lata de lixo, ralava em grade, derrubava cone e tinha uma paixão especial por postes. Admito que minha imperícia ao volante ajudava na falta de senso de direção do carrinho. Mas que o bichinho era distraído, ah, isso era. Dessa vez tinha sido a soma da velocidade inapropriada para um carro tão fubeca mais a pastilha de freio desgastada e o sinal que calhou estar vermelho na hora em que passávamos. O resultado: uma lata branca amassada – abraçando carinhosamente, veja só, um poste! –, manchada de vermelho pelo meu sangue e pela tinta de uma (até então) imaculada picape 4×4, que — olha como o Onipresente tem senso de humor! — era o motivo da raiva que eu sentia naquela noite.
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